O Autista também envelhece, mas ninguem fala disso
Nunca se falou tanto de autismo quanto agora. A pauta ganhou voz, ganhou mídia, ganhou especialistas de todos os cantos.
Só que, no meio desse movimento todo, escorregamos no óbvio. A conversa ficou presa na infância.
A hiperfocalização no recorte infantil virou regra e, sim, é essencial cuidar das crianças, entender sinais precoces, garantir suporte adequado.
O problema aparece quando o debate para aí. O autista cresce. Vira adolescente. Vira adulto. Vai trabalhar. Toma decisões. Envelhece. E, por algum motivo, a sociedade esquece essa equação básica da condição humana.
Estudos do CDC mostram que a prevalência de TEA subiu sem parar. Em 2000, estimava-se um caso para cada 150 crianças. Em 2023, a projeção chegou a um para cada 36.
Pesquisas do NIMH apontam que a transição para a vida adulta é o ponto mais crítico, porque políticas e serviços simplesmente desaparecem quando a pessoa completa 18 anos. A neurodivergência não some no aniversário. E quase não existem dados globais sobre autistas idosos, porque ainda não tratamos isso como prioridade. Essa lacuna ficou evidente para mim quatro anos atrás, em Belo Horizonte.
A Bigfral patrocinava uma corrida e eu tinha montado um pequeno podcast dentro do estande para conversar sobre envelhecimento saudável. Entre uma entrevista e outra, Miguel apareceu. Doze anos, autista, níveis de suporte importantes. A mãe comentou que ele era reservado, quase não falava, vivia no próprio mundo. O sonho dele era falar no microfone. Hiperfoco em rádio e podcasts. Naquele instante, ficou claro que eu precisava dar esse espaço. Quando coloquei o microfone na frente dele, nasceu outro Miguel. Ele não só falou. Ele se abriu. Contou coisas que nem a mãe conhecia. E, no meio da conversa, soltou um medo que faria qualquer adulto parar: como ele cuidaria da mãe quando ficasse mais velho e ela se tornasse idosa. Um garoto de doze anos pensando sobre responsabilidade futura, sobre seu papel na vida adulta, sobre o próprio envelhecimento. Hoje, Miguel deve estar chegando aos dezesseis ou dezessete. Daqui a pouco encosta nos vinte. Em 2030, será um adulto com CPF, escolhas, desejos. Talvez host de podcast. Talvez radialista. Talvez algo inesperado.

O ponto é simples. Longevidade não é sobre data de nascimento. É sobre incluir quem vive. É sobre entender que todas as condições caminham com o tempo.
Não existe “autismo infantil”. Existe autista. E todo autista envelhece. Se queremos falar de futuro, precisamos incluir quem já está vivendo esse futuro agora. Inclusive um garoto de doze anos que sonhava com um microfone e que, como todos nós, está envelhecendo.
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Timóteo Araújo
Profissional de Educação Física, com experiência de 25 anos na área da Atividade Física, Vida Ativa e Longevidade. Atuando no Centro de Convivência AMI - Bem Estar.
